O desafio da inclusão real das pessoas com deficiência no Brasil

Um dos maiores progressos recentes está no reconhecimento do Transtorno do Espectro Autista (TEA) como deficiência. Esse marco, além de simbólico, é prático: possibilita acesso a direitos como vagas preferenciais, atendimento prioritário, critérios diferenciados em benefícios previdenciários e mecanismos de proteção contra discriminação. As famílias que enfrentam o dia a dia com o TEA sabem que esse reconhecimento, embora não resolva tudo, facilita muito.
Contudo, o mesmo Censo que avança no reconhecimento também precisa evitar retrocessos. Há uma diferença conceitual e jurídica entre deficiência e incapacidade permanente para o trabalho — diferença essa que parece mal compreendida no levantamento. A deficiência pode gerar necessidade de adaptações, jornadas reduzidas ou medidas de inclusão no ambiente profissional. Já a incapacidade total ou parcial para o trabalho exige outra abordagem, voltada à reabilitação, readaptação ou aposentadoria.
Misturar os conceitos pode gerar impactos negativos, como a negação de direitos trabalhistas ou previdenciários por critérios mal definidos. A deficiência não é sinônimo de improdutividade — e tampouco pode servir como justificativa para exclusão. Pelo contrário, ela impõe ao Estado e à sociedade o dever de garantir acessibilidade, suporte e oportunidade.
Os dados do IBGE mostram, por exemplo, que a prevalência de deficiência cresce com a idade: mais de 50% da população com 90 anos ou mais declara alguma limitação. Também revelam desigualdades raciais. A prevalência entre pretos (8,6%) é maior do que entre brancos (7,1%), evidenciando a sobreposição de exclusões. Os números pedem políticas públicas interseccionais, que considerem classe, raça, gênero e território.
O diagnóstico de TEA também mostra um retrato inédito: 2,4 milhões de pessoas disseram ter recebido esse diagnóstico, o equivalente a 1,2% da população. É uma fotografia importante, ainda que subestimada, sobretudo entre adultos. A maior concentração está entre crianças de 5 a 9 anos (2,6%), o que pode indicar uma melhora no acesso ao diagnóstico precoce — mas também aponta que muitos adultos com TEA seguem invisíveis nas estatísticas.
Reconhecer é só o começo. Os dados não devem servir apenas para contabilizar vulnerabilidades, mas para desenhar políticas que respeitem a autonomia e a dignidade dessas pessoas. O desafio não está apenas na coleta de informações, mas no que se faz com elas. E isso implica compromisso político, rigor técnico e, sobretudo, escuta ativa das pessoas com deficiência e suas famílias.
*Leandro Madureira é advogado e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados