“Judiciário brasileiro é um dos mais modernos do mundo”, diz pesquisador

“Judiciário brasileiro é um dos mais modernos do mundo”, diz pesquisador

Em meio a tensões políticas e críticas da extrema-direita, Judiciário brasileiro se destaca por sua digitalização e harmonia entre progresso e tradição

Com questionamentos da extrema-direita quanto a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e a guerra comprada pela Câmara dos Deputados com a Corte, o Judiciário brasileiro tem enfrentado diversos ataques e lidado com dúvidas sobre sua atuação. Contudo, o Brasil possui um dos judiciários mais digitalizados do mundo e que concilia tradição e progresso em suas raízes.

O advogado especialista em imigração com atuação nos Estados Unidos (EUA) Vinícius Bicalho fez uma análise comparativa entre os sistemas do Brasil, EUA e Europa, e elucidou algumas dúvidas. Segundo ele, apesar das diferenças profundas entre os modelos adotados — que consistem nos chamados “civil law” e “common law” —, o Brasil vem se destacando internacionalmente em áreas como digitalização do Judiciário, mas também enfrenta desafios estruturais ligados à sua formação histórica e ao ativismo, que entram em conflito com frequência.

A Justiça brasileira é considerada uma das que mais faz avanços significativos no mundo, como é o caso da digitalização de processos e o uso de inteligência artificial, principalmente por conta de programas como o Justiça 4.0.

Entre os pontos positivos da Justiça brasileira, estão o processo judicial eletrônico (PJe), a promoção da automação de tarefas repetitivas com o uso de inteligência artificial (IA) em tribunais por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e o alto índice de acessos dos documentos por meio de plataformas digitais.

Os desafios do país residem justamente na sobrecarga dos documentos, além das fortes desigualdades regionais que determinaram tribunais mais modernos em determinadas regiões em detrimento de outras, além da falta de padronização.

Modelos distintos: civil law versus common law

Bicalho destaca que o Brasil, assim como a maioria dos países europeus (com exceção do Reino Unido), adota o sistema “civil law”, baseado em leis escritas e codificadas. “Esse modelo exige que os operadores do direito sigam rigorosamente o que está na legislação”, comenta. Já os Estados Unidos e o Reino Unido seguem o “common law”, sistema baseado em precedentes judiciais e costumes. “Nos EUA, por exemplo, há uma ênfase na resolução de disputas por meio de acordos, e o Estado transfere muitas obrigações ao particular. É um sistema mais caro e descentralizado”, completa.

Suprema Corte e STF: o peso do ativismo judicial, da tradição e do capitalismo

A atuação das cortes superiores também revela diferenças importantes. “Nos EUA, a Suprema Corte atua de forma muito mais contida. Decide apenas algumas poucas questões constitucionais por ano”, diz. “No Brasil, o STF tem um perfil marcadamente mais ativista. Intervém com frequência em temas políticos, morais e sociais, ocupando um espaço muitas vezes deixado pelo Legislativo”, explica.

Segundo Bicalho, esse ativismo é reflexo direto da Constituição de 1988, que conferiu ao Judiciário o papel de garantidor de direitos fundamentais. “A Constituição é extensa, principiológica, e deixa margem para muita interpretação”, afirma.

Digitalização e IA: um dos Judiciários mais modernos do mundo

Apesar das críticas recorrentes sobre morosidade e excesso de judicialização por parte dos brasileiros, Bicalho ressalta que o sistema judiciário brasileiro é um dos mais modernos do mundo em termos de tecnologia. “O PJe (Processo Judicial Eletrônico) funciona de forma eficaz e há muitas comarcas que sequer utilizam processos físicos. Nos EUA e na Europa, apesar da existência de sistemas digitais, a aplicação ainda é bastante limitada”, revela.

Esse avanço, segundo ele, é ainda mais relevante diante da dimensão territorial e das diferenças regionais do Brasil. “É uma conquista importante, que mostra capacidade de inovação apesar das dificuldades estruturais”, analisa.

Outro ponto de destaque é o impacto da inteligência artificial no mundo jurídico. Para Bicalho, a IA representa uma revolução inevitável. “Ela não vai substituir juízes ou advogados, mas quem não souber utilizá-la terá desempenho reduzido. Escritórios já estão usando ferramentas de IA para tarefas repetitivas, o que garante mais eficiência”, afirma. Ele cita como exemplo sua participação na criação do sistema jurídico da American Immigration Lawyers Association (AILA), nos EUA. “A base de dados com decisões e boas práticas jurídicas agiliza muito o trabalho e melhora a qualidade das respostas”, afirma.

Formação histórica e cultura jurídica brasileira

Para entender o comportamento atual do Judiciário brasileiro, o advogado sugere olhar para o passado. “Nosso Direito foi basicamente importado de Portugal, que por sua vez seguia o modelo romano-canônico. Só começamos a formar juristas no país em 1827, com forte influência europeia”, ensina.

Por fim, Bicalho ressalta que o Brasil vive um momento de transição, em que tradição e inovação convivem em um sistema jurídico complexo, mas em constante transformação. “Temos um Judiciário que tenta garantir direitos em meio a desafios culturais, institucionais e tecnológicos. Isso nos diferencia no cenário internacional — tanto pelas virtudes quanto pelas contradições”, completa.

Entenda o programa Justiça 4.0

Criada em 2021, o Justiça 4.0 é fruto de parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e conta com apoio do Conselho da Justiça Federal (CJF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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