Advogados alertam que novo Código Eleitoral ameniza a Ficha Limpa

Em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o novo Código Eleitoral enfraquece a Lei da Ficha Limpa, a penalização por compra de votos e as cotas para candidaturas de mulheres, negros e indígenas.
O alerta partiu dos advogados eleitoralistas Alexandre Ávalo Santana, que é conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso do Sul (OAB-MS) e membro Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), e Andressa Nayara Basmage, conselheira estadual e vice-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-MS.
Alexandre Ávalo ressaltou que o novo Código Eleitoral tem impacto direto na lei de inelegibilidade e nos últimos avanços em relação a mulheres e negros, notadamente no que tange à proporcionalidade da participação obrigatória no financiamento e na participação de negros e mulheres.
“Com relação à inelegibilidade, há uma mitigação, uma vez que as consequências da declaração de inelegibilidade da Lei Federal nº 135 no que tange ao prazo de oito anos, que corria a partir do cumprimento da pena e, agora, passa a ser, de acordo com o projeto em análise, a partir do trânsito em julgado”, pontuou.
O conselheiro federal lembrou que o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Associação Nacional de Peritos Criminais Federais (APCF) já divulgaram nota técnica expressando essa preocupação.
“Nesse contexto, o MCCE e a APCF também entendem que parte das normas aprovadas no Código Eleitoral acaba por enfraquecer os mecanismos de combate à corrupção e os mecanismos de inelegibilidade que seriam destinados a evitar os desmandos e as impropriedades no período eleitoral que pudessem impactar o resultado do pleito”, analisou.
Ele acrescentou que as duas instituições entendem que as medidas contidas no projeto de lei acabam por enfraquecer todo o sistema protetivo à soberania popular, o direito ao voto, o direito de ser votado e, principalmente, o contexto constitucional protetivo à vontade do eleitor.
“Portanto, há, sim, um movimento contrário a alguns dispositivos do novo Código Eleitoral. Devemos esperar como tramitará esse projeto e quais serão as eventuais emendas ou alterações. De todo modo, é importante ter em mente que o direito eleitoral e os direitos políticos são direitos fundamentais protegidos pela Constituição sobre dois vieses. O viés de ser candidato e o viés de ser eleitor, podendo existir livremente sua vontade e sempre respeitando a soberania popular”, argumentou.
UNIFICAÇÃO
Já Andressa Basmage destacou que o projeto de lei que visa alterar o Código Eleitoral propõe a unificação do período de inelegibilidade, que atualmente é fixado no prazo máximo de 8 anos nos casos de perda de mandato, decisão definitiva (transitada em julgado) ou proferida por órgão colegiado, assim como na desaprovação de contas.
“Contudo, nos casos de condenação por crimes previstos em lei específica, o prazo de oito anos somente se inicia após o cumprimento da pena, tornando o prazo, na prática, indefinido. Tal situação gerava interpretações divergentes e notória insegurança jurídica. Nesse contexto, a alteração proposta institui um prazo único de inelegibilidade, eliminando margens para interpretações dissonantes e conferindo maior segurança jurídica e clareza à aplicação da norma”, disse.
De acordo com a vice-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-MS, outra modificação relevante concerne à utilização dos recursos destinados à candidatura de mulheres, provenientes do Fundo Eleitoral.
“Nos termos da proposta, esses valores poderão ser empregados em despesas comuns a outros candidatos, desde que seja revertido em benefício da campanha feminina. Essa medida tem como objetivo viabilizar e fomentar a participação de mulheres no processo eleitoral, especialmente daquelas com escassos ou inexistentes recursos próprios”, relatou.
Ela completou que, assim, os valores poderão ser direcionados, por exemplo, para propaganda eleitoral conjunta ou para pagamento de prestadores de serviços que atuem em prol de toda a coligação, desde que beneficiem as candidaturas femininas.
“Por derradeiro, embora se reconheçam os avanços contidos na proposta, não se pode ignorar o retrocesso que se desenha no que tange à punição por compra de votos. Hoje, tal prática é reprimida com a aplicação de multa e a cassação do registro ou do diploma do candidato. A alteração, entretanto, sujeita a cassação a uma análise subjetiva da gravidade do ato, enfraquecendo, assim, a eficácia do mecanismo sancionador e abrindo espaço para maior tolerância às condutas que comprometem a lisura do pleito”, afirmou.
SAIBA MAIS
De acordo com o texto do último relatório publicado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), a contagem do prazo de inelegibilidade passa a ser feita desde a condenação por órgão colegiado, sem menção à necessidade de cumprimento da pena anteriormente, o que possibilita que candidatos ainda submetidos ao cumprimento de pena possam concorrer a cargos eletivos.
No caso de compra de votos, o novo texto diz que, para se cassar o diploma, o registro e o mandato de um candidato, é necessária a “aferição da gravidade das circunstâncias”, entre elas, que o caso de compra de voto teria alterado o resultado eleitoral.
Na atual legislação, o mero ato de comprar voto já é o suficiente para se aplicar a punição. A pena é de até 4 anos de prisão e multa, além da possibilidade de cassação do registro ou diploma do candidato. No caso da inelegibilidade, a contagem de 8 anos de inelegibilidade ocorre após o cumprimento da pena.
Sobre as cotas para minorias, o novo texto diz que recursos destinados para a candidatura de mulheres e de pessoas negras podem ser usados para despesas compartilhadas com pleitos masculinos, “conforme o caso, a seu próprio juízo”. Nesse caso, sob a justificativa de algum benefício comum, o recurso que deveria ser destinado para mulheres e homens negros pode ser enviado para homens brancos.
A Lei da Ficha Limpa está na mira do Congresso Nacional desde 2023, quando a Câmara dos Deputados aprovou textos que fazem parte da chamada “minirreforma eleitoral”. Um dos projetos desse pacote flexibiliza a contagem do prazo de inelegibilidade.
A proposta reduz o período em que um político condenado fica impedido de disputar eleição e poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro. O Senado tentou votar esse texto no plenário em algumas oportunidades entre 2024 e março deste ano, mas a análise acabou contida em razão do governo, que atua para barrar a proposta que poderia colocar Bolsonaro no jogo político em 2026.
A candidatura de mulheres também foi alvo de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) em 2023, em que um dos textos em discussão permitia que partidos políticos burlassem a cota de gênero e não fossem obrigados a indicar 30% de candidaturas femininas, como hoje determina a regra eleitoral.
O novo Código Eleitoral foi inicialmente proposto e aprovado na Câmara dos Deputados e passa por análise no Senado.
Neste momento, o projeto de lei complementar que trata do tema está na CCJ da Casa de Leis.
Diante da discordância em torno do texto, o presidente da CCJ do Senado, Otto Alencar (PSD-BA), sugeriu que representantes partidários apresentassem sugestões ao relator para que uma nova versão seja apresentada na primeira quinzena deste mês.
Caso aprovado no plenário, o projeto ainda voltará para a Câmara, que dará o crivo final nas alterações propostas pelo Senado.