Problema do sistema prisional é ‘má governança’, diz desembargador

“(Há) praticamente 180 mil pessoas no sistema prisional que poderíamos ter evitado o encarceramento ou o modelo tradicional de Justiça e que nos tomam hoje, mensalmente, quase que R$ 540 milhões. Vejo que, talvez, o problema maior não seja dinheiro. O problema é a má gestão desse dinheiro, a má governança desse sistema prisional, mas, sobretudo, uma falta de sensibilidade”, disse durante o painel “Justiça Restaurativa: meios alternativos de soluções de conflitos no direito penal” do XIII Fórum de Lisboa, promovido no mês passado.
Antônio José Campos Moreira, procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, avaliou que os operadores do Direito têm dificuldade em aceitar soluções negociadas para casos penais, embora a Constituição Federal de 1988 tenha aberto as portas para essa alternativa.
Para ele, a Justiça Restaurativa corrige o papel das vítimas nos processos. “O princípio primordial é resguardar os interesses da vítima, com a reparação de danos, em sentido amplo, não apenas danos materiais, mas também, mais modernamente, a possibilidade de composição sobre danos morais. Alguns falam que a vítima teria sido relegada a segundo plano (no Processo Penal brasileiro). Não, a vítima não foi relegada a segundo plano. A vítima foi esquecida, abandonada à própria sorte.”
Essa ideia foi reforçada pela desembargadora do Tribunal de Justiça do Maranhão Sônia Amaral, que utilizou o crime violência doméstica como exemplo para debater o tema. A magistrada relatou que na década de 1990, enquanto atuava como juíza no interior do estado, atendeu muitas mulheres que eram levadas ao juízo por seus pais, que pediam que ela orientasse as filhas a terem paciência com os agressores.
“Por que eu trago a Justiça Restaurativa para o contexto da violência doméstica? Porque entendo que nós temos de pensar os grupos reflexivos, precisamos trazer esse mecanismo, aproximá-lo desse contexto de reflexão do homem. E eu acho que os grupos reflexivos não podem se resumir à pessoa do homem agressor. No contexto da violência doméstica, é algo que deve perpassar a família, e principalmente a mulher”, sugeriu.
A fala da juíza e integrante do Comitê Gestor da Justiça Restaurativa do Conselho Nacional de Justiça, Andréa Brito, foi na mesma linha. Ela defendeu que a Justiça se aproxime da realidade dos envolvidos em ações penais para que suas decisões considerem o contexto de cada pessoa.
“Hoje nós temos esse sistema binário e cartesiano. O foco é garantir que os ofensores recebam aquilo que merecem. A Justiça Restaurativa muda essas perguntas: ela indaga quem sofreu o dano, quais são as suas necessidades, quem tem a obrigação de atendê-las. A vítima é tão importante quanto o ofensor do processo”, afirmou.
Já Luiz Carlos Rezende, juiz da 2ª Vara Cível de Belo Horizonte, focou no papel das Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs) — unidades prisionais administradas por comunidades com subvenção do Estado. Esse modelo, ressalta, vai na contramão de uma “sede” por vingança difundida em nossa sociedade.
“Quando os crimes são de violência contra a pessoa, eu já vi casos em que a pessoa em cumprimento de pena tem a oportunidade de estar com a vítima ou com familiares. E tem sido um resultado surpreendente e espetacular para ambos. A Justiça Restaurativa dentro das Apacs está sendo feita uma vez por ano, com uma preparação especial do apenado e da vítima, para que esse encontro aconteça e, assim, ter uma oportunidade de se discutir isso de uma maneira diferente”, disse.
Por fim, a advogada Fernanda Tórtima falou sobre o modelo no sistema penal tributário. Ela criticou a maneira como o Brasil usa a regularização tributária como forma de extinção de punibilidade: “O que a gente tem no Brasil, pura e simplesmente, é pagamento (de créditos tributários) a qualquer tempo, sem nenhuma condição”.
“A gente precisa encontrar um modelo diferente, menos simplificado, menos imediatista, mais refletido. Não um modelo de solução de problemas a curtíssimo prazo, que é o que a gente tem adotado, e sim um modelo que traga soluções pensadas e de longo prazo”, ponderou.