150 anos de um legado ferroviário que transformou SP

Inaugurada em 1875, a Estrada de Ferro Sorocabana impulsionou o café paulista, rompeu monopólios e integrou o interior ao Porto de Santos. Saiba como foi seu auge e declínio.
Estrada de Ferro Sorocabana: 150 anos de um legado ferroviário que transformou SP
Há 150 anos, uma nova era se iniciava no transporte ferroviário brasileiro. Em 13 de junho de 1872, começava a construção da Estrada de Ferro Sorocabana (EFS), projeto que se tornaria um dos pilares do desenvolvimento econômico e territorial de São Paulo. Inaugurado em 1875, o primeiro trecho ligava Sorocaba a São Paulo e marcou o surgimento de uma malha ferroviária que, no auge, ultrapassou 1.600 km na Malha Oeste paulista.
Impulso econômico no auge do café
A criação da EFS ocorreu em um momento estratégico: o Brasil vivia o auge da economia cafeeira, e o interior paulista respondia por cerca de 12,1% da produção nacional do grão. A necessidade de escoar essa produção de forma mais eficiente levou empresários locais a investirem na ferrovia, rompendo a dependência da São Paulo Railway, empresa britânica que detinha o monopólio do acesso ao Porto de Santos.
Diferentemente da ferrovia inglesa, que partia de Jundiaí, a Sorocabana foi projetada e financiada por capital nacional, com destaque para o engenheiro austro-húngaro naturalizado brasileiro Luís Matheus Maylasky, um dos principais articuladores do projeto e primeiro diretor da empresa.
Sorocaba: do têxtil ao polo ferroviário
A ferrovia transformou Sorocaba, já conhecida como a “Manchester brasileira” por seu forte polo têxtil, em um centro operário e industrial. A cidade passou a abrigar oficinas de manutenção e fabricação de material ferroviário, empregando milhares de trabalhadores e consolidando-se como um dos principais eixos logísticos do estado.
Conquista da Serra do Mar: o ramal Mairinque-Santos
Em 1927, a EFS avançou sobre um dos maiores desafios geográficos do estado: a Serra do Mar. O novo ramal Mairinque-Santos substituiu trechos obsoletos da antiga linha Santos-Juquiá e exigiu a construção de túneis, pontes metálicas e viadutos que atravessavam a Mata Atlântica.
O trajeto integrava o interior paulista ao Porto de Santos, por onde escoava quase dois terços da produção exportável do país. Além do café, a linha transportava algodão, madeira, minérios, insumos industriais e produtos do Vale do Ribeira, região produtora de chá, frutas e búfalos.
Papel na história além do transporte
A EFS teve atuação indireta em momentos-chave da história nacional. Pesquisas indicam que a ferrovia pode ter sido usada no transporte de escravizados fugitivos, com apoio de uma rede ligada à maçonaria e ao movimento republicano. Apesar de registros ainda limitados, depoimentos orais e documentos sugerem o uso estratégico dos trilhos para facilitar rotas de liberdade.
Durante a Revolução Constitucionalista de 1932, a ferrovia foi essencial para o deslocamento de tropas e munições. O chamado “Trem Blindado”, operado por voluntários paulistas, circulou pelos trilhos da EFS em direção ao Vale do Paraíba, tornando-se um símbolo do conflito.
Declínio e abandono nas décadas seguintes
O fim do protagonismo ferroviário começou com a ascensão do transporte rodoviário no Brasil. Entre as décadas de 1950 e 1980, investimentos em autoestradas como a Via Dutra e a Rodovia Castelo Branco marginalizaram as ferrovias.
Em 1971, a criação da Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.), que unificou diversas linhas sob gestão estadual, acelerou a desativação da malha original da Sorocabana. Com a privatização do setor em 1990, grandes trechos foram desativados, trilhos foram removidos e estações, abandonadas.
O transporte de passageiros foi encerrado em 1999. Atualmente, parte do trajeto entre São Paulo e Mairinque é operado pela CPTM (Linha 9-Esmeralda), enquanto a infraestrutura restante da antiga EFS está sob gestão da Rumo Logística, focada no transporte de cargas.
Preservação e memória ferroviária
Apesar do abandono, esforços de preservação têm resgatado a memória da EFS. Em 2018, o Condephaat tombou a Estação Central de Sorocaba, incluindo oficinas, armazéns e residências operárias, por meio da Resolução SC-013.
Hoje, o complexo abriga o Museu Ferroviário de Sorocaba, mantido pelo Instituto de Preservação e Educação Ferroviária (IPEF). Imagens recentes capturadas por drones mostram trilhos enferrujados e estações cobertas pela vegetação, contrastando com o passado de grandeza da que foi uma das maiores ferrovias do Brasil.